terça-feira, 14 de julho de 2020

Alegria

Parece que eu só sei falar quando dói. É aí que meus dedos ganham vida própria e traduzem meu coração. Quando dói eu refaço um caminho percorrendo toda a dor do passado. e só vou descrevendo cada pedacinho dela.

Hoje dói, mas quando eu olho pra dor do passado ela não combina com essa de agora. Hoje dói e parece que essa dor se dá na alegria. Parece que essa dor não é por tristezas sem fim, essa dor é pelo lamento de ver tanta doçura indo embora. É uma dor de inconformidade com a vida, por ela fazer ser tão difícil algumas coisas lindas perdurarem. Minha dor é um lamento, por acreditar tanto no amor e perceber isso ser tão pouco.

Minha dor são lembranças felizes. Minha dor são momentos de carinho. Minha dor são como patinhas de unicórnio desaparecendo quando eu acordo de um sonho bom. São banhos de cachoeira. São garrafas de vinho. Minha dor são ovos mexidos no café da manhã. Minha dor é a impotência de manter tudo vivo, tudo mudando, tudo voltando.

Minha dor é alegria. E quando eu olho pra trás e vejo como esses caminhos mudaram, me sinto grata, afinal. Eu poderia dizer o quanto você é parte disso, mas que bobagem, e que injustiça seria comigo mesma, já que eu tenho lutado tando e por tanto tempo para ressignificar a minha dor.

Releio aqui. Refaço cada pedacinho desde o dia em que ganhei a primeira flor vinda de você. Talvez seria mais bonito se fosse mais triste. Mas que prazer é essa minha dor vinda da alegria. Tão prazerosa que, de alguma forma, também te agradeço, pelas partes de você que deixou nesse caminho.

O dia que você foi embora

O dia em que você foi embora choveu. Primeiro uma garoa fina que foi se transformando em tempestade com trovão e gotas grossas. Choveu lá fora e aqui dentro de casa.

Choveu tanto que eu sai para não inundar o chão da sala e acabar te afogando ainda mais. Pulei as pocinhas, cai em alguns lagos e fugi. Ou melhor, pensei que estava fugindo, mas era só mais uma daquelas atitudes inúteis de enganar a mim mesma achando que eu posso ter alguma razão.
Fugi da casa ilhada e me joguei na tempestade. Bati o carro enquanto batia em você. E acabei acertando alguém que tinha o seu nome, só pra não me deixar esquecer de que na verdade eu era quem causava todos os acidentes.

Cento e cinquenta reais. O valor do conserto. Pagaria cento e cinquenta mil para não ter que ouvir seu nome repetidas vezes ao telefone enquanto anotava os dados para depósito do valor do estrago.  Pagaria cento e cinquenta milhões para voltar no tempo e poder me jogar na frente do carro ao invés de bater nele.

Todos os outros dias foram de chuva. Água escorrendo com lembranças, arrependimento e saudade. Todos os outros dias eu olhava para as gotas que escorriam dos meus olhos e só pensava em como você estava naquela tempestade. E só pensava em te levar abrigo. Em me abandonar para te dar abrigo

domingo, 8 de março de 2020

Te escrevo

Eu quero te escrever porque seria triste demais que em algum momento, por algum caminho torto das nossas vidas, as nossas pernas se separassem e junto fosse um coração e uma imagem que precisam ser regados pelo nosso sangue correndo rápido enquanto estamos abraçados.
Me parece imperdoável que qualquer coisa mundana coloque em risco aquilo que transcende. Aquilo que transforma minhas palavras, antes de quase amor ou de não-amore-dores, em doçura e um desejo infindável de transformar seus olhos e o cheiro do seu cabelo em elementos palpáveis que eu pudesse acessar de forma fácil. Mas, qualquer tentativa de concretizar assim o que é tão suave, com certeza machucaria toda a beleza que existe nesse estar junto. Nossa relação é assim, um estar junto que não vira o concreto cinza, que permanece na pluma e na seda.
Por isso eu te escrevo, pra que daqui cinco anos eu possa te encontrar doce e suave no meio de tantas lembranças duras. No meio de tanto quase, te encontrar aqui inteiro. Te escrevo pra fechar meus olhos e me lembrar do abraço no cinema no primeiro filme, alimentado por tantas expectativas de mensagens, mas consumado na verdade do seu afeto. E como efeito, meu corpo pela primeira vez soltou um nó e deixou que uma pontinha fosse embora com você pra casa.
Te escrevo porque perder qualquer pedaço seria tão injusto com o mundo. Seria privar a história de presenciar por tempos e tempos a pureza que é tão rara e tão volátil.
Mas assim, aqui, te guardo. Aqui nos guardo. Coloco seu cheiro junto com as pernas entrelaçadas e o toque do seu abraço com um beijo na minha bochecha e tenho assim a imagem do que é ser plena.
Nos guardo e guardo apenas isso. Tiro os cacos que não deu tempo de jogar fora antes que você ocupasse a sala. Desculpe a bagunça, mas eu vi você passando e não queria que fosse tarde demais pra que você entrasse. Enquanto te escrevo tento continuar passando aquele aspirador, rezando pro barulho acabar rápido, pra que ele não te incomode. Para que você perceba a sala bonita que está te esperando e que nela nossos cheiros e toques criem ainda mais quadros para deixar a vida bonita de verdade.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Meu amor

Já passa da meia noite e meu coração me diz forte para vir até aqui dizer que algo está diferente. Talvez daqui 12 meses eu mal lembre o quanto eu parei assim, meio bêbada de vinho para sentir um soprinho suave me dizer para mandar uma mensagem para alguém. Muito provavelmente isso vai dissolver como uma balinha que derrete na boca e eu só vou rir sem nem acreditar o quanto perdi algumas boas horinhas de vida imaginando alguns dias contigo.
Mas sabe meu amor, existe alguns momentos na vida em que a gente tem só que agradecer ao Universo por ainda ter coração, por ainda poder sentir alguma coisa depois de tanta dor que a gente viveu.
Agora, nesse exato segundo eu sinto meus dedos tomando vida própria e indo caminhando sozinhos escrevendo para você. Quer dizer, eu acho que é para você mas no fundo isso tudo é para mim. É para a taça de vinho que combina com o som de jazz do meu celular, a rede do meu quarto e todo sonho de uma vida cheia de significados que eu guardo aqui. Eu guardo em um espaço tão sagrado, onde eu divido pisos de taco com você.
Você não está fisicamente aqui, mas está diluído entre tantas sensações que é como se estivesse, posso até imaginar um cheiro novo para atribuir a você. O que mais queria agora é pode te dar um abraço e dizer: obrigada por me  manter um pouco viva, você nem imagina o quanto tantos pedaços de mim se foram depois de perceber que o amor pode ser muito traiçoeiro. Obrigada por me fazer acreditar, o que seria de uma alma tão sonhadora sem poder  acreditar em algo?
Eu fico aqui, tentando achar um final para isso tudo, mas sabe meu amor, no fundo no fundo, eu queria que isso tudo fosse  só um começo.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Ding Bling

Cada soma forma uma nota. Cada nota multiplicada um novo som. Cada pedaço de som se desloca solto pelo Universo. Da as mãos a outro pedaço e mais outro e mais outro.
Uma melodia. Uma nova sensação dividindo o espaço com mais outras.A língua que estala no contrapasso da palma e ecoa com mais vozes.
Eram músicas que desenhavam nossa lógica-rotina.
Uma equação que revelava a beleza. No princípio fácil, óbvia e bonita. Mas a cada segundo um novo elemento se emaranhava na conta. Novas incógnitas, notas complexas chegavam numa velocidade impressionante para dar mais beleza a tudo.
Mas não, a prepotência da beleza traz escuridão. E nela cada trecho se dissolve.
Mas se eu sentar aqui com meu pedaço de lápis e um resto de bloco de papel posso colocar cada monômio que se estende em polinômios. Posso pensar e desvendar um enigma, talvez tarde para acompanhar o som, mas certamente a tempo de entende-lo.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Que então doa

Ainda existe um balde de mágoa para esvaziar. De mágoa, não de raiva. Sentimento genuíno, que pode ficar aqui até secar. Eu ajudo, escorro a água, mas isso às vezes cansa e por isso me dá vontade de só sentar e esperar o sol fazer a parte dele.

Não, não é sentimento inferior. Não venha de novo com essa conversa. Pessoas sofrem, pessoas sentem dor e ela precisa ser respeitada até passar. Dela nasce até a arte, aquela que você acha que gosta, mas na verdade elitiza. Faz como faz com as pessoas. Recorta pedacinhos que te fazem parecer o máximo por conhecer e joga fora o resto, aquilo que alguém te disse que é inferior. Inferior como os sentimentos de mágoa e raiva.

Se fosse assim, não existiria desigualdade social na Índia. Não é lá que tudo é espiritual e que a gente deveria encontrar felicidade dentro da gente mesmo? Pois é, estão lá morrendo e fome e de desigualdade. Não, eu não estou dizendo que os problemas sociais da Índia são culpa sua. Por que você adora interpretar da sua forma tudo que eu digo e não da forma como realmente é?

Eu vou pra Índia, tentar me encontrar. Não, você não vai junto. Não quero estar divorciada daqui dez anos, como você gostaria que eu estivesse, para poder curtir sua vida e no finalzinho dela me encontrar mais uma vez e ai então poder viver comigo o que a gente sonhava construir juntos.
Nâo, eu não quero mais conversar. Vai embora. Sim, eu estou me descontrolando, mas você ainda não viu nada. Ah você quer os pratos? Fique com eles entãaaaaaaaaaaaaao.


Está doendo, vai embora e deixa a chave em cima da mesa.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Pontos para o final

Todos os dias me peço para escrever nossa história. Falta ponto final e sobram reticências. As minhas histórias deveriam ter aquele final doloroso e bonito, mas parece que com a nossa a dor e o fim se misturam com um sem meio de carinho e algo gostoso de sentir.

E quanto mais longe do fim, mais essas mistura toma espaço. Como um emplastro que deveria curar, mas não serve nem com efeito de placebo. Só tem aquele cheiro forte, que quanto mais a gente tenta limpar mais exala, fica impregnado na pele e no cabelo.

Deveria ser tão claro o quanto isso é doente e sem sentido, mas ao mesmo tempo todas as histórias de amor parecem tão sem contexto. Histórias de amor tem fim? Histórias de amor são sempre cheias de dor? Pontos de interrogação que mais uma vez impedem o ponto final.

O que aconteceu com a rosa que a gente tinha no portão? Ela foi junto com aqueles pensamentos de viajar pelo mundo com você, pensamentos que até hoje eu não sei se em algum momento você compartilhou comigo. A rosa era de plástico, ela não morre. Mas o que é de plástico também não vive. A gente tentou dar vida e beleza a ela, mas nada pode dar vida ao que não nasceu para isso.
Por algum momento eu imaginei que aquelas rosas do parque poderiam dar lugar a nossa flor no portão, e agora eu penso que talvez elas tenham dado, e por isso mesmo tenham ficado lá, porque o que é belo não pode ser tão eterno, e se trouxéssemos elas conosco teríamos que vê-las murchando, e isso poderia fazer doer mais ainda.


As flores ficaram lá. Os sonhos talvez nunca tenham existido na verdade (como quando você dizia que a gente precisava sonhar). E a realidade começa a trazer os pontos, que eu ainda não tenho coragem de usar.